Ai os livros da minha infância! Fico tão, mas tão feliz de reler com o Francisco – e ó, tenho que agradecer minha querida mamãe que se deu ao trabalho de guardar tudo bonitinho e me entregar assim, anos depois (ninguém precisa saber quanto). Esses dias tive uma bela surpresa: minha mãe me entregou uma caixinha com mais alguns dos meus preferidos, lá daquele tempo. Uma caixinha que apareceu na mudança.
A primeira coisa que eu fiz quando recebi o presente foi buscar no meio da pilha por um livro específico: O Sapato que Miava. E atenção pra emoção, estava lá, minha gente. Fiquei tão feliz. Não sabia que esse estava guardado, e por coincidência andei procurando ele por aí recentemente, para comprar para reler com o Francisco. É um livro que volta e meia me volta à memória, é até engraçado. Mas nada, não achava – na verdade, há uma nova edição dele, com nova ilustração – mas eu queria aquele antigo, que eu me lembrava quase que exclusivamente pelos desenhos. Me lembrava da senhorinha negra, gorducha, óculos e saia xadrez, sentada em sua cadeira balanço, e do seu gato gordo e cor-de-rosa.
O livro é de Sylvia Orthof, um dos grandes nomes da literatura infantil brasileira. Faleceu em 1997, mas deixou mais de 120 livros escritos – muitos ilustrados por Tato, seu marido – como essa minha edição antiguinha aí.
A historinha do gato Deodato que morava dentro do sapato é engraçada e até, vai, um pouquinho cruel. Fugindo do barulho da torneira que pinga sem parar, o gato entra dentro do sapato – sua dona não percebe e sai por aí, passeando com o sapato miando:
“Lá vai a Dona Velha,
calçando seu velho sapato,
com o chulé encolhido,
mancando por causa do gato…
que não saiu do sapato!
Lá vai a velha pra feira,
cada passo é um miado,
pois o gato Deodato,
no sapato apertado,
miava a cada passo:
– Miau! Miau! Miau! Miau!”
Dona Velha anda pela cidade toda, vai à feira, passa por estrada, rio e ponte, e Deodato miando. Até que um cachorro, o Fedelho (juro que é esse o nome) ouve o miado e sai correndo atrás dele – levando com ele seu dono, um velhinho simpático. A história termina lindamente, com namoro e casamento: Dona Velha e o senhorzinho juntos, sentadinhos, e cachorro e gato nos respectivos sapatos.
Vai, mais um trechinho que eu não me aguento:
“Depois o velho casal
foi morar na casa velha.
O gato mia no sapato…
e cachorro Fedelho agora late um au, au,
quando o seu querido velho
calça o seu velho chinelo.
Pois o cachorro, encolhido,
aprendeu, foi com o gato:
O cachorro no chinelo.
O gato, lá no sapato.
Cada qual em sua cama.
Quando o velho vai e calça,
no velho pé, seu chinelo,
aperta dentro o Fedelho.
– Au, au! – late o pé do velho.
O cachorro no chinelo,
e o gato no sapato.
E a velha com seu velho,
eu juro, foi assim, de fato!”
Tá aí, deve ter sido uma das minhas primeiras histórias de amor – e é a primeira do Francisco. Tão bonitinha! A edição mais fácil de achar hoje é essa aqui, com ilustrações de Ivan Zigg. Também parece bem bacana. Não parece disponível em muitas livrarias, mas vale dar uma pesquisada, especialmente em sebos por aí.