livro + filme + desabafo: O Menino Maluquinho

Entre as coisas das quais mais me lembro da minha infância são livros. Livros meus, livros dos outros. Tive o privilégio de ter um pai e uma mãe leitores – meu pai rodeado por enciclopédias sempre fora do lugar (era pesquisa o tempo todo: dos meus irmãos, do meu próprio pai, de quem estivesse disposto a pesquisar), minha mãe com seus romances e García Márquez (compartilhamos até hoje nosso livro preferido, aliás: O Amor nos Tempos do Cólera). Além disso, quando eu tinha a idade do Francisco, meus irmãos (sou a caçula de uma família de três) também viviam com seus livros: meu irmão do meio ingressava no segundo grau. O mais velho já estava na faculdade de medicina, e estudioso (ou melhor, CDF mesmo) como era (e ainda é, diga-se de passagem), passava madrugadas mergulhados em livros que me despertavam todo tipo de curiosidade.

E lógico, tinham os meus livros. Livros que minha mãe teve a sabedoria de guardar muito bem guardados e de me entregar todos, anos depois. Releio muitos com o Francisco – já até falei de alguns por aqui, como o Lúcia-Já-Vou-Indo (Francisco jura que a lesma se parece comigo, obrigada) e O Sapato que Miava, da Sylvia Orthof, entre outros. Eu tenho uma memória afetiva enorme com esses livros, e reler cada um deles com o Francisco me traz um monte de coisa boa de volta, é delicioso. Para mim e para ele, que se sente todo orgulhoso de conhecer os livros da infância da mamãe e tem a chance de ler muita coisa boa – porque não é por nada, mas como tinha livro legal na nossa época!

os livros da minha infância, de volta para mim e agora para o francisco também

Esses dias fiz a festa em mais uma caixa de livros lá do meu tempo. Nela, meus preferidos de quando era pré-adolescente, como a série Vagalume (que estou relendo com amigos, porque o entusiasmo foi geral), a série Salve-se Quem Puder e vários outros livros de dois escritores (sempre suspense!) que eu idolatrava: Stella Carr e Ganymedes José. Além desses, alguns que já venho relendo com o Francisco, como os da Bruxa Onilda (todo amor do mundo por ela) e um bem, mas bem especial: O Menino Maluquinho, do Ziraldo.

Mas vou contar do início: aqui em casa, o caminho foi inverso: primeiro apresentei para o Francisco o filme, e só depois o livro. O filme foi sugestão de uma amiga – na história, o avô do Menino Maluquinho vem a falecer. Como meu pai, avô do Francisco, já estava doente fazia alguns meses, vítima de um câncer terminal, o filme nos deu a brecha para conversar sobre esse assunto difícil, a morte. No filme, ela é tratada com muita delicadeza: o avô falece um pouco antes de um torneio de futebol que organizava com os garotos. E o torneio acontece assim mesmo, como uma homenagem ao grande avô.

Na sexta-feira passada, dia 31 de outubro, foi a vez do avô do Francisco de fato vir a falecer. Era esperado, como eu disse – mais do que isso, foi o derradeiro alívio de uma doença que o estava fazendo sofrer muito. E o filme fez o Francisco entender de um jeito que acredito que não entenderia tão facilmente se não tivéssemos conversado sobre isso – “o vovô morreu, igual ao do Menino Maluquinho? então eu sou o Menino Maluquinho, né?”.

Mas o filme é também muito divertido – eu não esperava, no início, que cativasse tanto o Francisco. Mas não deu outra: foi assistir a primeira vez e pronto, dá-lhe alugar o Menino Maluquinho na tv a cabo, que era o único lugar no qual eu havia encontrado (depois achei o DVD baratinho na Livraria da Folha, mas acho que comprei o último – logo ficou esgotado. mas se liga: tem no youtube o filme completo de grátis, rá!). O filme é muito engraçado – pelo menos o Francisco morre de rir em algumas cenas, como uma em que todos os garotos se reúnem embaixo do cobertor para ver, pasmem, quem tem o pum mais fedido. Pois é – o filme é todo assim, uma sequência de traquinagens atrás da outra, muitas um tanto quanto politicamente incorretas, mas que fazem a garotada rir demais.

menino1
o livro, minha antiga edição, e o filme em dvd

O livro aqui em casa veio depois – justamente nessa caixa da qual eu falava lá em cima. A primeira leitura já rendeu uma choradeira daquelas: é que ele tinha sido presente da minha avó, a Vó Zazana, mãe do meu pai – e nele encontrei uma dedicatória linda, escrita por ela em 1990, no meu aniversário de 8 anos. Peço a licença de dividi-la aqui com vocês:

“Minha querida Daisy,

Este pequeno presente representa muito o valor que você tem, pois no primeiro ano escolar ganhou o prêmio de melhor aluna, prêmio de muito valor para todos nós. Daisy, você não é menino e muito menos maluquinho, mas na sua idade pequenina, você sabe “ouvir e entender estrelas”, por ser muito inteligente! Como livrinhos de história, foi este que eu quis lhe dar. Espero que goste. Os teus irmãos vão gostar, e teu pai se lembrará também que foi um menino maluquinho.

Da tua vovó,

Zazana”

menino2
a dedicatória da minha avó, em 1990 🙂

Li com meu pai dedicatória na semana passada, alguns dias antes dele falecer, e foi muito emocionante. O livro, venho lendo noite e dia com o Francisco. O fato de a gente ter visto e revisto o filme diversas vezes ajudou na curiosidade do rapaz: logo na primeira vez que lemos ele já prestou atenção e reconheceu diversas coisas do filme. Mas a verdade é que o livro não mesmo tem igual. Em tempos de tanto debate sobre o quanto é importante brincar, ele é a obra infantil mais atual possível – a história de um menino que gostava mesmo era de molecar, aprontar e se divertir. Um menino que passou por poucas e boas como todas crianças – afinal, também é importante conversar sobre assuntos tristes, mas que são parte da vida mesmo e não tem jeito. A separação dos pais, a despedida de um amigo que muda para outra cidade, a morte do avô.

“(…) ele ri baixinho

quando a saudade

apertava

pois descobriu

que

a saudade

era o lado

de um dos lados

da vida

que vinha aí.

Agora vejam se pode

uma descoberta dessas!

Só mesmo sendo maluco

ou sendo amado demais.”

 

Mas era mesmo o final do livro que me emocionava quando eu era criança: Ziraldo conta lá o quanto o moleque era bom de bola, segurava todas quando brincava de goleiro. Só não conseguiu mesmo foi segurar o tempo – cresceu. E o principal: cresceu e virou um cara legal! Minha Vó Zazana, no fim, tava certa: o meu pai, Napolho, como eu o chamava (seu nome era Luis Napoleão), era mesmo um menino maluquinho. Só podia ser mesmo, porque virou um cara legal também, legal demais. E na semana passada deixou uma saudade sem tamanho, que tá difícil de engolir. Mas é como o próprio Menino Maluquinho: essa é uma das partes da vida, e é assim e pronto.

menino3

Enfim, tudo isso, todo esse papo para hoje recomendar esse livro, O Menino Maluquinho. É daqueles que não dá pra deixar de ter na biblioteca, pra ler e reler e reler e reler, anos e anos depois (vide nós aqui). Pra rir e chorar. E o filme, o filme também. Vale assitir, rir, chorar rapidinho e voltar pro livro. Dá-lhe Ziraldo, o mestre. Obrigada por isso.

***

O Menino Maluquinho

autor e ilustrador: Ziraldo

Editora Melhoramentos

onde achar : na Estante Virtual tem a partir de 4 reais

o filme: esse é mais difícil, em dvd. tem alguns à venda no Mercado Livre, mas são meio caros. a boa notícia é que tem gratuito no youtube, vale ver. 😉